Discurso do Presidente da Associação dos ucranianos em Portugal no Colóquio de Homenagem às vitimas do Holodomor

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62Discurso do Presidente da Associação dos ucranianos em Portugal no Colóquio de Homenagem às vitimas do Holodomor.

22 de novembro de 2017
Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa.
Testemunho oficialmente documentado de uma pessoa sobrevivente ao Holodomor (Este testemunho foi recentemente publicado pelo Presidente do Instituto da Memoria Nacional da Ucrânia, Dr. Volodymyr Vyatrovych).

Pairava o silêncio.
De repente, a aldeia encheu-se de gritos estridentes. Em cada casa ouvia-se: “Fala! Onde esta a m***do pão? Onde escondeste os bens do Estado?"
Os gritos eram acompanhados por outros barulhos não menos assustadores - o do chão que abatia violentamente, o da louça que se partia e, o de pedaços de teto que caíam.
No meio do ruído ensurdecedor, distinguiam-se tiros. Outros sons assustadores sentiam-se nas casas. Não eram do gado, nem eram de cães nem de gatos (já lá não estavam ha vários meses). Era som humano! So se conseguia entender uma palavra: “Comer, comer, comer... “- balbuciavam seres desesperados, balançando-se na porta das suas casas que, se tinham tornado nos seus próprios túmulos.
Finalmente a aldeia calou-se... Ficou em silêncio... Não se ouvia um único zumbido.
Tão terrivelmente a aldeia silenciou depois do ataque dos tártaros!
A Morte sucedeu o luto dos vivos. Parecia que a própria Morte tinha morrido.
Ate a Natureza, na Primavera, tinha medo de quebrar o silêncio. Apesar de ser o mês de abril, os pássaros não cantavam. Não se ouvia o barulho da água resultante da neve derretida. A erva não nascia.
Os anos passaram. Na aldeia soaram, novamente, canções. Pareciam estranhas! As palavras eram incompreensíveis!

Que aconteceu depois de 1933?

As temáticas do Holodomor são bastante amplas e abertas. Já foram recolhidos muitos materiais das vitimas que sobreviveram a tragédia, mas, nunca se chegou aos números finais, os números totais das pessoas que morreram. A questão ficou em aberto: que aconteceu depois?

" As pessoas continuavam a morrer devido as consequências irreversíveis da fome. As necessidades dos sobreviventes não eram asseguradas.
Aí surgiu uma questão: como obter da terra a colheita exigida pelo Estado? Decidiu-se, então, povoar os territórios onde já não havia vida com uma nova população."

De acordo com os documentos apresentados pelo Arquivo Estatal do Serviço de Defesa da Ucrânia, pelo Arquivo Estatal Central das Autoridades Superiores e do Governo da Ucrânia e pelo Serviço dos Arquivos Estatais da Ucrânia, respeitantes ao segundo semestre de 1933-1934 ou seja, ao primeiro ano pós Grande Fome (Holodomor) o Conselho Nacional dos comissários da URSS realizou o programa chamado: "Sobre a urbanização da Ucrânia”, datado a 25 de outubro de 1933. Este programa consistia na deslocação de 21 mil de famílias de agricultores coletivos da Rússia para a Ucrânia.
Para esta urbanização foram atribuídos 15 milhões e 500 mil rublos (moeda da URSS). "Destes, 10 milhões foram pagos a fundo perdido e, os outros 5 milhões sob a forma de empréstimo a longo prazo.
De acordo com documentos de arquivo, estas verbas destinavam-se a fixar populações da Bielorussia e da Rússia nos distritos de Donetsk (na altura, este território estendia-se ate ao actual distrito de Lugansk), de Dnipropetrovsk (que parcialmente incluía o distrito de Zaporizhzhya atual), de Kharkiv ( para fixar agricultores oriundos da Rússia) e de Odesa (nessa altura estendia-se até aos distritos atuais de Mykolaiv e Kherson).
Até ao final de 1933, da região Oeste do RSFSR para Dnipropetrovsk foram enviados 109 comboios com refugiados e bens materiais deles; da região Central da Russia para Kharkiv 80 comboios; de Ivanovo para Donetsk, 44; da Bielorrússia para Odesa, 61.
Segundo os investigadores, os novos residentes que quisessem fixar-se nas aldeias desertas, nas regiões de Sul e Leste da Ucrânia, tinham grandes incentivos. Ficavam isentos de qualquer tipo de impostos e da obrigação de entrega de carne e/ou leite ao Estado. Cada família tinha direito a uma casa, ficando as obras da mesma a cargo do governo local. O Estado comprometia-se a entregar gado às famílias que não tivessem uma vaca ou um cavalo.
Aos sobreviventes do Holodomor na Ucrânia não foram dadas condições nenhumas.
"Os residentes recentes foram colocados em melhores condições do que a população local que permaneceu depois da Grande Fome.
As pessoas sofriam de desnutrição ainda dois anos depois. Nos últimos 9 meses continuavam a morrer.
Sem apoio foram ainda obrigados a reconstruir as casas dos que faleceram para que, os novos residentes entrassem com tudo em ordem. Para além disso, a população local teve de entregar ao estado a colheita correspondente a que, os novos residentes tinham deixado nas suas antigas residências.
Segundo documentação existente, tiveram de mobilar as casas com mesas e bancos."
De acordo com os documentos, os donos das casas que conseguiram sobreviver refugiando-se em 1932, não tiveram direito a regressar nem restabelecer a propriedade das suas casas em 1933.

Tentativas de desenvolver o chauvinismo

Tudo isto não podia de deixar de causar tensão e revolta. Desde o início de 1934, há referências a " impedimentos ao processo de assimilação" e " tentativas de inimigos desenvolverem o chauvinismo ".
São conhecidos documentos sobre o bem-estar dos novos residentes e a satisfação das suas diversas necessidades: abertura de turmas russas nas escolas; edição de livros, manuais escolares e jornais em russo; etc.
Todos estes documentos podem ser as chaves para a análise das ocorrências no Leste da Ucrânia.
" Olhando com atenção para o mapa, vemos que os territórios de ocupação são muito semelhantes aqueles que, hoje, se denominam Novorossia".

A Comunidade Ucraniana em Portugal é grata a todos os partidos políticos que, em março deste ano, reconheceram, a nível parlamentar, o Holodomor na Ucrânia como um ato de genocídio.

Na verdade, não é apenas a honra das vítimas das experiências terríveis dos regimes totalitários do século passado que é reabilitada. E também o reconhecimento da situação, a agressão russa, que já provocou mais de 10 mil mortos neste século.

Pavlo Sadokha e Olesia Zaiacj

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