Congresso da diáspora ucraniana receia perda de identidade de crianças refugiadas

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45Em entrevista à agência Lusa, Paul Grod, presidente da organização que representa cerca de 20 milhões de ucranianos na em 60 países, incluindo Portugal, observa os efeitos da permanência a prazo de refugiados em resultado da invasão russa, fevereiro de 2022, referindo que um dos principais objetivos do CMU “é criar condições para que aquelas pessoas possam voltar”.

Segundo dados das Nações Unidas, a guerra na Ucrânia provocou cerca de 6,4 milhões de refugiados, a maioria na Europa e perto de 60 mil em Portugal, e a incógnita sobre a duração do conflito poderá tornar a sua permanência inicialmente temporária numa situação de longo prazo.

O líder da organização dos ucranianos na diáspora, que visitou pela primeira vez Lisboa esta semana, comenta que o retorno daquelas pessoas depende em larga medida das suas origens, sendo diferente se forem provenientes de uma localidade ocupada pelas forças russas, ou das regiões da Ucrânia central ou ocidental, que foram menos atingidas pela destruição, “o que facilitará o seu regresso”.

Nesta equação importa também não só o local de onde partiram como também para onde foram e do nível da sua integração, que poderá dificultar que voltem para as suas casas na Ucrânia e um exemplo disso são as crianças.

“Se deixam de aprender ucraniano e, de repente, perdem a sua língua e a sua identidade, não vão querer voltar para a Ucrânia e vai ser igualmente muito difícil para as mães regressarem”, alerta o presidente do CMU, falando também do caso dos seus pais que estão a combater na linha da frente.

No final da guerra, “após a Ucrânia sair vitoriosa”, poderá haver uma nova vaga de ucranianos para o exterior, que seriam estes militares obrigados a fazer uma escolha: “Se as mulheres e os filhos não quiserem regressar, terão de se reunir com eles e deixar o país, o que seria desastroso para a Ucrânia”.

Encontrar “um ambiente favorável” para o regresso dos refugiados e dos ucranianos na diáspora tornou-se numa das primeiras preocupações da organização, que nasceu há 57 anos, no período soviético, sob o nome de Congresso Mundial dos Ucranianos Livres, e que atualmente mantém representações em Toronto, Nova Iorque, Bruxelas e Kiev, sendo gerida por voluntários e financiada por donativos não governamentais.

“A primeira coisa que podemos fazer agora é garantir um sistema escolar ucraniano adequado para essas crianças”, referiu Paul Grod, nascido e radicado no Canadá, e que dirige a organização desde 2018, referindo um trabalho desenvolvido junto do Ministério da Educação da Ucrânia mas também dos governos em várias partes do mundo.

Este foi um dos temas levantados pelo ministro da Educação, João Costa, na visita que efetuou no início de fevereiro à Ucrânia.

Segundo o governante português, o homólogo ucraniano, Oksen Lisovy, pediu-lhe o reforço de integração dos estudantes ucranianos nas escolas portuguesas, estando em causa 13 mil crianças e jovens registadas desde a invasão russa, dos quais apenas cinco mil estavam inscritos no sistema educativo, justamente porque as suas famílias tinham a perspetiva de um regresso mais rápido ao seu país.

Por outro lado, o executivo de Kiev destacou os laços de identidade, solicitando que seja prestada atenção à aprendizagem de História, Geografia e Literatura da Ucrânia, através de regimes híbridos, em que os alunos possam assistir a aulas ‘online’ destas disciplinas, ao mesmo tempo que estão a seguir o currículo português.

Para o presidente do CMU, esta ajuda do Governo é indispensável para que as crianças ucranianas “se integrem na sociedade portuguesa tanto quanto possível”, mas que, por outro lado, “não percam a sua identidade ucraniana, caso contrário nunca mais voltarão”, insiste.

Outro problema que atinge a diáspora é a negação de dupla nacionalidade inscrita na Constituição ucraniana, em grande parte justificada para impedir o acesso de cidadãos russos, embora o Presidente Volodomyr Zelensky já tenha proposto ao parlamento, por ocasião simbólica do Dia da Unificação em 22 de janeiro, uma alteração constitucional para corrigir este impedimento.

“Existem atualmente mais de 20 milhões de ucranianos a viver fora da Ucrânia e, se quisermos que regressem, teremos de criar condições para que muitos deles possam ter um segundo passaporte”, explica o líder do Congresso dos Ucraniano, frisando a importância deste grupo para a reconstrução do país, num contexto em que a guerra provocará grandes alterações demográficas, mas que possam também ser recrutados para o serviço público ou para cargos políticos, à semelhança de Portugal, que tem quatro deputados eleitos por círculos da emigração.

Paul Grod dá o seu próprio exemplo, sendo filho de ucranianos que foram retirados das suas terras ainda na adolescência pelas forças alemãs durante a II Guerra Mundial como trabalhadores escravos em explorações agrícolas e posteriormente libertados pelos aliados e autorizados a estabelecerem-se no Canadá.

Isso significa que Grod tem apenas nacionalidade canadiana, apesar das suas origens e ativismo de longa data no CMU, sendo que a localidade do pai se encontrava dentro das fronteiras da Polónia antes de ser integrada no mapa atual da Ucrânia, o que lhe daria a possibilidade de ser cidadão polaco se o desejasse, mas não ucraniano.

“Quando se está a olhar para uma grande população como esta, a primeira questão que se coloca é saber como fazer com que volte. Tem de ser através da criação de um ambiente educativo em ucraniano, e com um quadro legislativo que facilite o regresso, porque vai ser precisa uma enorme força de trabalho na Ucrânia”, sustenta o líder da organização na diáspora, adicionando: “E quem melhor do que aqueles que falam ucraniano para reconstruir o país?”

Apesar das dificuldades sentidas nos últimos meses nos palcos de combate, em que as forças de Kiev lidam com falta de munições para conter os avanços russos no leste do país, as comunidades ucranianas mantêm “confiança na derrota da Rússia”, a par de “muita frustração”, relacionada com “o apoio inadequado” dos seus aliados, em particular dos Estados Unidos, onde a ala radical do Partido Republicano mantêm bloqueado há meses no Congresso um pacote de ajuda militar de mais de 55 mil milhões de euros.

Mas o estado de espírito “continua muito forte, no sentido de apoiar a Ucrânia até que saia vitoriosa”, comenta o presidente do CMU, usando frequentemente nos contactos com os seus pares a imagem de uma conversa futura em que um neto pergunta: “Avô, o que fizeste para ajudar a Ucrânia a lutar e a ganhar a sua grande guerra pela independência?”

Em Portugal, a comunidade é “muito poderosa e muito ativa”, sendo, desde 2022, a segunda maior apenas atrás da brasileira, e o presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal, Pavlo Sadhoka, é também vice-presidente do CMU e responsável da organização para o sul da Europa.

Nos seus esforços para a guerra em curso, a comunidade, à semelhança do que se passa em todo o mundo, reúne fundos para o Exército ucraniano e ajuda humanitária, ao mesmo tempo que, em relação aos refugiados, o CMU procura que sejam “integrados para que não se tornem num fardo para o povo português”, mas pelo contrário, contribuam como “membros produtivos da sociedade”.

*Por Henrique Botequilha (texto) e José Sena Goulão (fotos), da agência Lusa

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