Ucranianos: integrados, solidários e à procura de refúgio

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Solomiya Horbal tem 20 anos e está em Portugal há uma década João Silva

Número de refugiados ucranianos cresce todos os meses. São cerca de 60 mil os cidadãos da Ucrânia que vivem em Portugal. A quatro mil quilómetros de distância, há uma comunidade "activa e solidária" com o país de origem. O medo e a revolta não têm fronteiras

Na casa de Solomiya Horbal, a televisão ucraniana está ligada 24 horas por dia. É sobretudo por esse meio — e através das redes sociais e de conversas com os amigos — que a jovem de 20 anos, a viver em Portugal há uma década, segue o conflito na Ucrânia. Nas televisões portuguesas, que vão deixando “cair a cobertura noticiosa” do acontecimento, vê frequentemente "um 'copy paste' do que dizem os russos". E, também por isso, acompanhar o conflito a quatro mil quilómetros de distância provoca-lhe um misto de emoções difícil de gerir: "Por um lado, estou aliviada por estar longe de perigo, por outro, há uma sensação de culpa. Tentamos ajudar como podemos, mas parece sempre pouco."

A recente desmobilização do exército ucraniano, com a retirada do armamento pesado das regiões de Donetsk e Lugansk, parece fazer jus ao cessar-fogo assinado em Minsk a 12 de Fevereiro, que prevê também uma retirada das forças separatistas pró-russas no Leste do país: o conflito causou, desde Abril de 2014, 5800 vítimas mortais, maioritariamente civis.

A esperança de pacificação não convence toda a gente e as posições da NATO (que tem 30 mil efectivos prontos a intervir) e dos EUA (que já admitiram facultar armas às forças ucranianas) são um indício disso mesmo. "Temos relações com a Rússia há séculos e conhecemos bem a ideia que têm de não largar a Ucrânia. Este momento não nos surpreende. Só conseguiremos ser um país independente se a Rússia deixar de ser um país imperialista, que vive às custas de outros", disse ao P3 o presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal, Pavlo Sadokha. A opinião de Solomiya Horbal não é muito díspar. "Na mentalidade deles [dos russos], a Ucrânia continua a ser um país temporário. Esta guerra não pode acabar bem. Actualmente, o nosso exército é quase nulo, enquanto a Rússia andou sempre a preparar-se. É uma luta desigual, a menos que se transformasse num conflito mundial."

O número de refugiados ucranianos cresce todos os meses e estima-se que 1,2 milhões já tenham deixado o país. Desde o início deste ano, e até ao dia 27 de Fevereiro, o Conselho Português para os Refugiados (CPR) recebeu 85 pedidos de asilo de cidadãos ucranianos, sendo, para já, tal como em 2014, a nacionalidade que mais pedidos de asilo regista. Os pedidos são direccionados ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e o processo pode demorar quarto meses a ficar concluído. Os ucranianos que chegam a Portugal vêm por diversas razões: ou porque já têm ligações familiares com o país, porque foram imigrantes em Portugal no passado e já conhecem a realidade, ou porque preferem um local distante da Ucrânia. Ao CPR, para onde são encaminhados depois do parecer do SEF, chegam algumas pessoas em situações emocionais fragilizadas e, a quem manifestar insuficiência económica, é fornecido apoio social. 

Comunidade de 60 mil imigrantes

A comunidade de ucranianos em Portugal — ao todo, estima-se que sejam agora 60 mil os que vivem por cá — tem-se organizado para ajudar como pode o país de origem. "Além das acções políticas, como manifestações, enviamos dinheiro e bens para o exército, para hospitais e para zonas de refugiados. Desde o ano passado que enviamos 60 mil euros", conta o presidente desta associação (com 1500 membros e delegações em todo o país). "A comunidade tornou-se muito activa e muito solidária nos últimos tempos. De certa forma, isso surpreendeu-me, porque nas últimas eleições a participação foi muito baixa e fiquei com a ideia de que as pessoas estavam desligadas do país. Felizmente, estava enganado."

Apesar de ter saído da Ucrânia com apenas dez anos, Solomiya Horbal mantém uma forte ligação com o país. Tinha, até há pouco tempo, dois familiares em segundo grau a combater no exército, mas um acidente deixou-os "gravemente feridos" e precipitou o regresso a casa. "É muito complicado. Por lá, sente-se tudo ao mesmo tempo. Medo, revolta, tristeza. É viver sem saber como será o amanhã", relata. Fazer parte do exército nem sempre é uma opção. Há os voluntários e os outros — os recrutados sem hipótese de escolha. "É uma situação muito delicada. As pessoas querem ajudar, mas reconhecem o perigo. Nos últimos tempos, tive cá em Portugal três contactos de pessoas que queriam juntar-se aos batalhões de voluntários. Ontem falei com um, mas ele tem dois filhos cá e a mulher tem um salário baixo...", contou Pavlo Sadokha.

Uma comunidade integrada

Quando foi constituída, em 2003, a Associação dos Ucranianos em Portugal ocupava-se sobretudo de "problemas sociais e de integração". A mudança de foco que se foi dando ao longo dos anos é, ela mesma, um diagnóstico da "boa integração" desta comunidade: "Deixou de ser essa a nossa grande preocupação. Centramos agora o nosso trabalho na preservação da nossa cultura. Temos centros culturais, para que as crianças aprendam a língua e conheçam a história do país delas, e também organizamos eventos." A crise e consequente desemprego afectou esta comunidade. Mas essa é uma situação independente da condição de imigrante: “Neste período, tem aparecido mais gente a pedir ajuda. Sobretudo porque não existem, muitas vezes, eixos familiares de apoio."

Até ao final da década de 90, a imigração de Leste centrava-se sobretudo em Lisboa e Vale do Tejo, no Algarve e um pouco no Porto. Mas a partir daí, a expansão foi sendo feita para todo o território, inclusive por cidades mais pequenas e vilas. José Carlos Marques, investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, fez estudos sobre esta comunidade em 2001 e em 2004. “Eram sobretudo pessoas activas que vinham para o mercado de trabalho. Em geral muito qualificados, mas a partir de 2002 já não tanto. Tinham cursos técnicos e ao nível pós-secundário, mas não de licenciatura”, explica.

A escolha de Portugal como país de destino era incentivada por agências ucranianas. “A obtenção do visto — de turismo, não de trabalho — era muito fácil em 2001. E, nessa altura, Portugal estava num 'boom' da construção civil e por isso veio muita gente com esse fim.” À data do último estudo que José Carlos Marques publicou, o reconhecimento das qualificações dos ucranianos em território português não era fácil: “Muitas vezes, também por serem profissões que não têm expressão cá. Engenheiros de plataformas petrolíferas ou músicos não tinham muito mercado. Nos restantes casos, notávamos que a primeira inserção no mercado era em sítios díspares da área de formação, mas que com a permanência em Portugal iam aproximando-se de cargos que tinham no país de origem.”

Essa questão, diz o presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal, está agora serenada. “Existe desde 2007 um acordo de reconhecimento dos diplomas entre os países. Isso facilitou muito as coisas e as pessoas começam a trabalhar cada vez mais nas áreas para as quais se formaram. Pode haver um ou outro caso de pessoas prejudicadas, mas acho que, no geral, enfrentamos os mesmos problemas que os portugueses para arranjar emprego.”

Para os pais de Solomiya, o cenário é ainda outro. A mãe é enfermeira, o pai engenheiro agrónomo. Mas hoje, como há 15 anos — quando vieram para Portugal viver “em condições precárias, num quarto”, e deixaram a filha com os avós maternos —, continuam a trabalhar em limpezas domésticas. “Já tentaram obter a equivalência, mas nunca o conseguiram”, lamenta.

O preconceito ainda existe? “Na escola era complicado, mas na faculdade não sinto”, responde Solomiya. E Pavlo faz eco: “Os ucranianos já tiveram problemas. Nos primeiros anos em que chegaram cá, sobretudo por causa da língua, houve momentos difíceis. Mas depois desse período de adaptação e de os portugueses entenderem que até temos uma cultura semelhante ficou tudo bem.”

A frequentar o segundo ano do curso de Antropologia na Universidade de Lisboa, Solomiya Horbal sonhava até há pouco tempo com o regresso à Ucrânia. “Queria fazer doutoramento em Antropologia Forense e ir depois para o meu país desenvolver esta área.” Agora, lamenta, o futuro é uma incógnita. “Confesso que estou confusa. Tudo dependerá do que acontecer por lá.” E isso ninguém lho poderá dizer.

Texto de Mariana Correia Pinto

http://p3.publico.pt/

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