Carta Aberta aos Eurodeputados Portugueses do Parlamento Europeu

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17.03.2010 

Exmos. Srs. Eurodeputados

    É hoje em dia consensual que o projecto europeu tem contribuído de forma decisiva para a estabilidade económica e social do Velho Continente e para a promoção da liberdade e igualdade dos cidadãos da Europa. Os seus representantes democraticamente eleitos consideram como principal objectivo da União Europeia garantir o bem-estar e a salvaguarda dos direitos dos cidadãos, sendo por isso, e com base nas lições da História, repudiada qualquer forma de discriminação (racial, étnica, religiosa, etc.). No entanto, isso não significa a negação do património histórico e cultural dos povos da Europa; pelo contrário, a preservação das culturas nacionais e das línguas oficiais e o respeito pelo passado histórico constituem alguns dos pré-requisitos essenciais para a adesão à UE.

    A propósito de passado histórico importa lembrar que a Ucrânia nunca teve quaisquer ambições expansionistas, sendo, em contrapartida, o campo de batalha de imperialismos rivais, com a consequente perda da soberania e da identidade nacional. Durante a 2.ª Guerra Mundial, na sequência da agressão nazi e soviética, a Ucrânia perdeu cerca de 7,5 milhões de habitantes e aproximadamente 2 milhões de ucranianos foram deportados como mão-de-obra escrava para a Alemanha. 

   Por outro lado, foi também palco de tragédias totalitárias, sendo disso exemplo a Grande Fome de 1932-1933 (o Holodomor) – qualificada pelo Parlamento Europeu de “crime horrendo contra o povo ucraniano e contra a humanidade”– na qual morreram cerca de 7 milhões de ucranianos em resultado da fome provocada pela ditadura estalinista. Nessa ocasião, a Organização dos Nacionalistas Ucranianos (OUN), dirigida por Stepan Bandera, foi obrigada a recorrer à única linguagem entendida por um regime totalitário e que poderia despertar a atenção da comunidade internacional: a da força. Em 22 de Outubro de 1933, o cônsul soviético em Lviv foi morto por um militante da OUN como retaliação pelos milhões de ucranianos dizimados no genocídio..

   Esse facto ganha maior sentido se recordarmos que noutros momentos dramáticos do século XX, houve a necessidade de cometer actos semelhantes. Por exemplo, entre 1920-1922, militantes da Federação Revolucionária Arménia mataram vários dirigentes turcos, em resposta ao genocídio arménio; em 27 de Maio de 1942, agentes checoslovacos dos serviços secretos britânicos assassinaram o dirigente nazi Reinhard Heydrich, responsável pela política de terror na Boémia – Morávia e um dos principais mentores do genocídio da população judaica.

    Ainda relativamente ao passado histórico, o Parlamento Europeu aprovou, em 25 de Fevereiro de 2010, uma resolução sobre a actual situação na Ucrânia, declarando que: 

«20. Deplora profundamente a decisão do Presidente ucraniano cessante, Viktor Iouchtchenko, de conceder a título póstumo a Stepan Bandera, dirigente da Organização dos Nacionalista Ucranianos (OUN) que colaborou com a Alemanha nazi, o título de "herói nacional da Ucrânia"; espera que os novos dirigentes ucranianos reconsiderem este tipo de decisão e reafirmem o seu compromisso em favor dos valores europeus.» 

    Nesta deliberação, o Parlamento Europeu arroga-se do direito de indicar aos Ucranianos como devem interpretar a sua própria História. Além do mais, qual é a base desta decisão? Porventura existe alguma sentença emitida por um tribunal internacional que condene Stepan Bandera e o Exército Insurgente Ucraniano (UPA) por colaboração com a Alemanha nazi? Terá sido efectuada uma minuciosa investigação histórica sobre o movimento independentista ucraniano?

   É importante perceber que Stepan Bandera simboliza, de forma indiscutível e trágica, a luta pela independência ucraniana, finalmente alcançada em 1991, sendo a figura inspiradora de sucessivas gerações de combatentes pela liberdade, e, simultaneamente, o alvo do ódio de todos aqueles que têm desígnios imperialistas relativamente à Ucrânia.

    A 30 de Junho de 1941, na sequência da invasão alemã da União Soviética, a OUN proclamou a restauração da independência da Ucrânia. Este acto representou um claro desafio aos planos raciais e expansionistas de Hitler, o qual, por sua vez, pretendia converter a Europa de Leste num imenso império germânico. Por isso, as autoridades alemãs exigiram que os líderes da OUN abdicassem do seu objectivo, e perante a recusa, desencadearam uma campanha de violenta repressão, obrigando o movimento independentista a passar à clandestinidade e ao combate contra as duas potências ocupantes da Ucrânia: os soviéticos e os nazis.

    Em Julho de 1941, Stepan Bandera foi preso e enviado para o campo de concentração de Sachsenhausen, aí permanecendo até Outubro de 1944. Dois dos seus irmãos foram deportados para o campo de extermínio de Auschwitz, acabando por ser brutalmente assassinados. Na ravina de Babi Yar, além de milhares de judeus, foram também chacinados centenas de militantes da OUN. O próprio Stepan Bandera conheceu um fim igualmente trágico, quando em 1959 faleceu em Munique, vítima de um agente secreto do KGB.

    Por ocasião do Julgamento de Nuremberga de 1945 foi revelada um documento secreto do Einsatzkommando C/5, com data de 25 de Novembro de 1941, que invalida qualquer argumento acerca da alegada cumplicidade de Bandera e da OUN com os nazis:

«Está  provado que o movimento de Bandera prepara uma revolta no Reichskommissariat,, cujo objectivo é criar uma Ucrânia independente. Todos os membros do movimento de Bandera devem ser imediatamente presos e, depois de um interrogatório exaustivo, secretamente aniquilados como bandidos.»

   Na verdade, aquilo que se verificou foi a resistência corajosa e determinada do movimento independentista contra a violência praticada pelas potências totalitárias que pretendiam condenar a nação ucraniana.à escravatura e ao extermínio .

    Nós, Ucranianos que viemos para Portugal em busca de trabalho e de uma vida melhor, temo-nos empenhado em contribuir para o progresso e bem-estar do país de acolhimento. Muitos de nós escolheram Portugal como a sua segunda pátria, adquirindo, por isso, cada vez maior visibilidade e relevância a nossa integração cívica.

    Assim, na dupla qualidade de Ucranianos e de Concidadãos Portugueses apelamos à revogação do ponto 20 da Resolução do Parlamento Europeu de 25 de Fevereiro de 2010, no qual se acusa infundadamente o Herói Nacional da Ucrânia de colaborar com a tirania nazi. É um imperativo moral reconhecer Stepan Bandera como uma figura cimeira, não só da história da Ucrânia, mas também do combate universal pela liberdade e dignidade humana.

  

Com os nossos melhores cumprimentos,

Presidente da Associação dos ucranianos em Portugal - Pavlo Sadokha

Presidente da Associação dos ucranianos em Portugal “Sobor” – Oleg Hutsko

Presidente da Associação dos ucranianos Algarve – Natalia Dmytruk

 

Stepan Bandera

Stepan Bandera (1 de Janeiro de 1909, Calendário Velho - † 15 de Outubro de 1959, Munique) – político ucraniano, ideólogo do movimento nacional ucraniano século XX, líder da famosa organização para a libertação ucraniana, a Organização Revolucionária dos Nacionalistas Ucranianos.

Stepan Bandera nasceu numa família clerical, a 1 de Janeiro de 1909, na Galícia, que era então uma província Austro-húngara e tinha o estatuto de Reino da Galícia e Lodomeria. Isto dava a esta província o direito à autodeterminação – quanto ao povo, a sua noção de democracia diferia daquela que existia na Rússia czarista. O Pai de S. Bandera era um pároco, mas, ao mesmo tempo, filantropo, apoiando uma cooperativa de agricultores, e organizações educacionais e agrícolas. Após o colapso do Império Austro-Húngaro e a proclamação da República Popular da Ucrânia Ocidental, estabeleceu a autoridade ucraniana no concelho de Kalush e foi um deputado do parlamento da WUPR desse concelho. Contudo, quando a guerra começou, o Padre Andrey foi para capelão do exército galiciano ucraniano. Assim, Stepan Bandera foi criado com a imagem do pai a tentar estabelecer um Estado Ucraniano independente, apesar de essa tentativa nunca ter sido bem sucedida.
 
No Outono de 1919, Stepan Bandera entra num colégio ucraniano em Stryi, a 70 km a sul da cidade de Lvov, onde morava o seu avô. Na escola, ele entra na organização ucraniana de escoteiros "Plast”. Em 1927 termina o liceu, finalizando com sucesso todos os exames. Ele queria entrar na Academia de Economia Ucraniana em Podiebrad (antiga Checoslováquia), mas as autoridades polacas recusaram-lhe um passaporte com que pudesse viajar para o estrangeiro. No ano seguinte, Stepan Bandera inscreve-se no Departamento Agronómico da Universidade Politécnica de Lvov. Aqui ele estuda até à sua prisão, em 1934. Durante o período de estudante da vida de Stepan – este emerge como um cidadão activista, entendendo o seu lugar na sociedade e o grau de responsabilidade para com aqueles que partilhavam dos seus ideais, formando as suas próprias opiniões sobre os mecanismos de luta pelo Estado ucraniano.
 
Durante os seus estudos em Lvov, ele era um membro da Associação de Estudantes Ucraniana do Politécnico "Base" e membro da associação de estudantes camponeses. Durante algum tempo, trabalhou no escritório da sociedade agronómica "Agrícola" na área do "Iluminismo" (uma organização de actividades culturais e educativas). Realizava, aos domingos e feriados, viagens até às aldeias vizinhas com relatórios e assistência na organização de vários eventos. Supervisionou o coro da igreja em Dubliany perto de Lvov, onde passou o 3 º e 4 º anos dos seus estudos universitários.

Durante os anos de estudante, Stepan Bandera tornou-se um membro da organização para a libertação ucraniana [Organização Revolucionária dos Nacionalistas Ucranianos] (doravante OUN). Em Junho de 1933, foi nomeado chefe desta organização nas terras ocidentais da Ucrânia. Durante a sua liderança, concentrou-se principalmente no trabalho social e de propaganda, no entanto, ficou famoso pelo protesto contra a matança em massa de pessoas pela fome provocada na URSS, e a pacificação das aldeias ucranianas de domínio polaco. No primeiro protesto, guerrilhas ucranianas mataram, em Lvov, o representante do NKVD (Comissariado Interno para os assuntos do povo), predecessor do KGB, A. Maylov, e em resposta às torturas da polícia polaca aos camponeses desarmados, assassinaram o Ministro da Administração Interna da Polónia. Por tudo isto, o tribunal polaco condenou o líder Stepan Bandera à pena de morte, pena alterada sob a amnistia para prisão perpétua.

Após a divisão da Polónia sob o Pacto Molotov-Ribbentrop, Bandera é libertado da prisão e vai para a região soviética, reorganizando lá outra guerrilha. Mais tarde muda-se para o lado alemão e começa a preparar os ucranianos (aqueles que foram forçados a deixar a zona de ocupação soviética) em grupos para a instituição das autoridades do Estado ucraniano, em caso de guerra entre os soviéticos e os alemães. Percebendo que o acordo com a União Soviética para Ucrânia independente era impossível, Bandera e sua força política tentam, de início, não arranjar conflitos com o lado alemão, senão, travariam a luta pela independência com duas potências mundiais ao mesmo tempo. Bandera tentou usar os interesses alemães na luta contra a URSS para a formação de pessoal para o futuro governo do Estado ucraniano, isto aplicava-se principalmente na formação profissional de oficiais do exército. No entanto, a realidade política rapidamente alterou os planos da organização de libertação ucraniana, colocando-os na frente do combate de ambas as partes em conflito - da Alemanha e da URSS. No nono dia da guerra entre a URSS e a Alemanha, em Lvov, a 30 de Junho de 1941, a OUN proclamou a renovação do acto do Estado ucraniano e criou um novo governo. Os alemães imediatamente detiveram Stepan Bandera e o primeiro-ministro, Yaroslav Stetsko, exigindo a anulação do acto. Como tal foi rejeitado, ambos foram presos no campo de concentração Sachsenhausen. Juntamente com eles, foram presos outros ministros do governo ucraniano. Dois irmãos de Stepan Bandera, Olexandr e Vasil, foram presos em Auschwitz, e lá foram aniquilados (apesar de Alexandre ser casado com a sobrinha do ministro do Exterior italiano, Chiano, e o governo italiano, um aliado da Alemanha, tentar salvá-lo de lá). Simultaneamente, a Gestapo começou com repressões e execuções de membros do OUN, como é evidenciado por inúmeros documentos em arquivos alemães. Quase ao mesmo tempo, os órgãos de repressão soviética matam o pai de Stepan Bandera, o Padre Andrey, numa prisão de Kiev, indicando que o factor principal da sua morte foi a liderança da OUN por parte do seu filho.

No entanto, a OUN continuou a lutar contra os alemães, e antes da batalha de Estalingrado, no Outono de 1942, juntou algumas unidades de guerrilha ao Exército Insurgente Ucraniano, o qual liberta da ocupação alemã áreas significativas do noroeste da Ucrânia. Roman Shukhevych tornou-se comandante do exército, aliado de Stepan Bandera. A maioria dos oficiais superiores do exército ucraniano recebera treino militar no exército alemão antes das represálias contra a OUN. No entanto, também faziam parte deste exército, os oficiais que receberam a sua formação no exército soviético, e que lutavam por uma Ucrânia independente.

Após a retirada das tropas alemãs da Ucrânia, as tropas soviéticas começaram a lutar contra a independência da Ucrânia – não as tropas da frente de combate, mas tropas especiais do MGB (antecessor do KGB). Essa luta continuou até meados de 1950, quando a KGB conseguiu prender o último comandante do UPA (Exército Insurgente Ucraniano), Vasyl Kuk. No entanto, os membros da OUN continuaram a lutar nos campos de concentração soviéticos Gulag, organizaram a rebelião e dirigiram o trabalho de propaganda para o colapso da União Soviética sob o lema geral "liberdade do povo - a liberdade do homem". Estes receberam do regime totalitário soviético penas de prisão de longo prazo, 25 anos ou mais, encontrando-se com dissidentes soviéticos do período pós-Khrushchev e, juntos, lutaram pelos direitos humanos.

Stepan Bandera, após a derrota de Hitler, estava na zona de ocupação Americana na Alemanha pós-guerra, e começou a desenvolver organizações de emigração ucraniana, que tinham como objectivo continuar a luta pela independência da Ucrânia. Bandera escreve frequentemente como um jornalista, e neste papel, é igualmente considerado perigoso para a URSS. Desta forma, o mais alto nível do Comité Central do PCUS (Comité Central do Partido Comunista da União Soviética) decidiu que este deveria de ser destruído – então, o KGB enviou para a Alemanha um assassino profissional com armas de balas de veneno. Bandera foi assassinado em Munique, a 15 de Outubro de 1959, na entrada da sua própria casa. Contudo, o KGB calculou mal a escolha do assassino – este temia ser também aniquilado e rendeu-se às autoridades alemãs, na zona americana de Berlim, um dia antes da construção do Muro de Berlim. Em Karlsruhe realiza-se um julgamento sobre este caso, no qual o juiz alemão reconhece que os organizadores e patrocinadores do assassinato pertenciam ao governo soviético. O mundo inteiro ficou a saber que a União Soviética enviava agentes para outros países com o objectivo de assassinar pessoas consideradas inconvenientes.

Com o assassinato de Stepan Bandera, o KGB não conseguiu destruir a OUN, nem enfraquecer o compromisso do povo ucraniano para a com independência. O Estado ucraniano existe com os mesmos símbolos pelos os quais lutou Stepan Bandera. Outras forças políticas que durante a União Soviética declararam o desejo de criar um estado independente ucraniano no território da Ucrânia moderna simplesmente não existiram. O hino nacional, a bandeira e o emblema da Ucrânia de hoje são aqueles propostos pela OUN quando a Gestapo exigiu a retirada de Stepan Bandera e a anulação do acto de renovação do governo ucraniano em Junho de 1941. E apenas porque a Ucrânia não teve outro movimento de libertação, lutou tanto tempo, contando com o total apoio da população (que, estimada pela KGB e pela UPA abrangia cerca de 500 000 pessoas). Stepan Bandera é o símbolo da luta do povo ucraniano pela independência, por isso foram construídos memoriais em sua homenagem em cidades e vilas, o seu nome foi dado a ruas, e há mesmo canções populares de autores desconhecidos do período soviético dedicadas a ele. Bandera não tem concorrentes para o lugar dele na História da Ucrânia, e assim, independentemente dos pontos de vista externos de outras forças políticas, continuará a ser o símbolo da luta pela independência ucraniana, pela qual esteve preso, primeiro em prisões polacas, depois em campos de concentração nazis, e, por fim, morto pelas mãos do agente da KGB.

 

 

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