Os ucranianos pedem o reconhecimento do Golodomor

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Категорія: Українська громада у Португалії
Створено: 25 листопада 2009 Дата публікації Перегляди: 4882
“Bem-aventurados os que têm fome e sede
de justiça, porque serão saciados”
Evangelho segundo S. Mateus

“Foi mais fácil acreditar que essas inúmeras
vítimas tinham sido  sacrificadas em nome de uma causa superior”
Andrei Sakharov
(Memoirs: Andrey Sakharov, London, 1990, p.164)


Os setenta e quatro anos da dominação soviética foram verdadeiramente trágicos para o povo da Ucrânia – três Golodomores* (dos anos 1921-1923, 1932-1933 e 1946-1947), múltiplas deportações, o terror físico e moral… “A ditadura do proletariado” experimentou todas as modalidades de repressão no nosso país.
Há duas nuvens particularmente negras que obscurecem o mito das “conquistas do socialismo soviético”. Uma é representada pelas repressões sangrentas dos anos 30, a outra é constituída pelo Golodomor, que devastou a Ucrânia Soviética em 1932-1933, o qual, segundo os dados actuais, causou entre 3 a 7 milhões de vítimas.

A causa inicial desta fome reside na decisão de Estaline em aumentar a quota de fornecimento de cereais, em 44%, para a Ucrânia, em 1932. Importa também destacar a circunstância do grupo social dos camponeses mais desafogados (os “kulaks”), que Estaline pretendia exterminar, estar, em grande medida, concentrado na Ucrânia.
A fome era terrível: desapareciam aldeias inteiras; as pessoas comiam animais de estimação e as próprias sementes destinadas à futura sementeira (o que foi interpretado pelas autoridades como “furto da propriedade socialista”, tendo sido reprimido de forma violenta, com recurso à pena capital); o canibalismo generalizou-se. Para travar a fuga em massa de camponeses, dos territórios atingidos pela fome, foram introduzidos os passaportes internos. Por outro lado, destacamentos de guardas armados foram colocados ao longo da fronteira ucraniana, impedindo o êxodo dos camponeses famintos.
No quadro “O Homem em Fuga” (1934) do pintor Kazimir Malevich, está representado um camponês que corre através de uma paisagem desolada. Esta obra, plena de simbolismo, é considerada um dos mais significativos testemunhos artísticos daqueles horríveis acontecimentos.
         O Golodomor teve consequências traumatizantes, cujos efeitos ainda se fazem sentir, nomeadamente a sua quase ausência na nossa memória colectiva. Ficaram profundamente debilitadas as “reservas” sociais e culturais da identidade ucraniana, assentes no mundo rural. Aumentou o fluxo migratório dos campos para as cidades, onde os camponeses recém-chegados adoptaram os valores oficiais da cultura soviética; por sua vez, os intelectuais ucranianos, que eram mais sensíveis às raízes culturais do seu povo, foram silenciados, esquecidos ou eliminados.
Durante a década de 30, os meios intelectuais da U.R.S.S. foram vítimas, de uma repressão particularmente feroz, que constitui mais um capítulo “esquecido” da era soviética. Na Ucrânia, essas perseguições foram especialmente dramáticas, destacando-se, em relação às outras repúblicas soviéticas, pelo seu número de vítimas e pela sua extensão temporal. Segundo várias estimativas, 80% dos intelectuais ucranianos foram fuzilados ou enviados para os campos de concentração, enquanto o Partido Comunista da Ucrânia foi sujeito a violentas purgas, em 1932-1934 e 1937-1938.
Em resultado de uma dupla eficácia – propagandística e repressiva - o regime soviético não ficou descredibilizado até ao momento em que se começaram a revelar as “páginas em branco” da História Soviética, nos finais dos anos 80.
Por fim, gostaria de fazer algumas considerações sobre a questão do reconhecimento do Golodomor como genocídio, tendo em consideração os princípios do Direito Internacional. Segundo a definição consagrada na Convenção para a prevenção e a repressão do crime de genocídio, aprovada pela O.N.U., em 1948: “ (…) entende-se por genocídio qualquer dos seguintes actos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal: matar membros do grupo; causar lesão grave à integridade  física ou mental de membros do grupo; submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial; adoptar medidas destinadas a  impedir os nascimentos no seio do grupo; efectuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo.”
        Actualmente, já não existem dúvidas de que o Golodomor foi uma fome artificial, tendo sido provocada e instrumentalizada por razões políticas e ideológicas
Para a Ucrânia, este crime do regime comunista representa uma verdadeira tragédia nacional, um golpe violentíssimo contra o património vital da Nação. No entanto, há quem insista em perguntar: “O extermínio dos camponeses, enquanto ucranianos, foi o objectivo final do Golodomor, ou a sua morte é apenas uma consequência da política do regime comunista contra os camponeses, enquanto classe?” Tais interrogações, são, no mínimo, pouco éticas.
Um dia saberemos, através da abertura de alguns arquivos ainda mantidos secretos, o que é que Estaline e os seus cúmplices planearam efectivamente. Mas, quanto às consequências da política desenvolvida pelo regime estalinista, essas já são amplamente conhecidas, sendo, assim, possível fazer a sua avaliação histórica e jurídica. E são precisamente essas consequências, que conferem ao Golodomor o carácter de genocídio, de acordo com as normas do Direito Internacional.
Quando o Parlamento Europeu, a UNESCO e a Assembleia Parlamentar da OSCE junto com parlamentos de 22 países já reconheceram o Golodomor como crime contra o povo ucraniano, deixa de fazer qualquer sentido discutir terminologias; trata-se simplesmente de um acto simbólico.
Infelizmente, a “racionalidade” política e económica vigente nas relações internacionais, é muitas vezes contrária à voz da consciência e ao princípio da justiça. Se em alguns momentos da História do Século XX, essa mesma “racionalidade”, sob a capa da “Realpolitik”, não tivesse pactuado com os crimes cometidos por impérios totalitários, o mundo de hoje poderia ser bem diferente.
Por tudo isto, os ucranianos esperam que os países democráticos e civilizados reconheçam o Golodomor como um acto de genocídio, bem como a importância desse acto de justiça histórica. Tal reconhecimento, seria excepcionalmente importante para a Ucrânia, com vista à sua plena integração na comunidade das nações livres e democráticas.
No dia 28 de Novembro, no âmbito do Dia Nacional em Memória das Vítimas das Fomes e Repressões Políticas, por toda a Ucrânia serão acendidas velas. O mesmo gesto será feito, aqui em Portugal, pela segunda maior comunidade imigrante, bem como por meio milhão de ucranianos e seus descendentes, no estado brasileiro do Paraná, ou na cidade de São Paulo; pelos ucranianos que residem em Angola e em Moçambique.
No dia 29 de Novembro, pelas 11h00, em Lisboa, à semelhança dos anos anteriores, terá lugar uma marcha pacífica entre a Praça Martím Moniz e a Igreja Ucraniana, em Arroios, por ocasião do 76º Aniversário do Golodomor.
Acreditamos que não existem outros valores civilizacionais, além dos de natureza ética. A dor de cada povo deverá ser partilhada por toda a Humanidade, condição fundamental para a construção de um mundo mais tolerante.
Por isso, convidamos todos que não são indiferentes a essa partilha, para que se solidarizem, participando!

Pavló Sadokha
Presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal